Uma reflexão sobre o papel do designer e do design visual em produtos digitais, por Marcos Felipe.

Natalia Pery
7 min readMar 14, 2018

É preciso pensar em muitos aspectos para ter um produto digital atrativo e funcional no mercado. E, com o objetivo de entender quais são as métricas que podemos utilizar para encontrar esta qualidade, conversei com Marcos Felipe, designer visual da McKinsey no Brasil.

Marcos Felipe, Visual Designer na McKinsey

Neste espaço compartilho a conversa onde começamos com um papo mais sobre semiótica e as diferentes linguagens, e logo se tornou uma conversa sobre a visão, participação e controle na totalidade do processo de desenvolvimento de um produto digital, a otimização da técnica e o amadurecimento deste profissional de design visual como gestor.

Natália Pery: A linguagem visual é inerente ao ser humano porque mesmo se não pudéssemos falar ou escrever, ainda assim poderíamos nos comunicar. Então, num aspecto geral, qual você acha que é o papel da linguagem visual para o ser humano?

Marcos Felipe: O mundo está se tornando cada vez mais visual. Existem estes ciclos da humanidade entre momentos em que se dá mais valor à palavra ou à imagem. Os emojis são um exemplo disso, de se comunicar sem precisar falar o mesmo idioma. A linguagem verbal tem essa limitação entre idiomas. Apesar disso, ela também tem um papel muito visual, por exemplo, em livros onde o escritor usa da linguagem escrita para construir cenários e personagens no imaginário do leitor.

NP: A estética é parte do nosso inconsciente na busca por prazer visual, mas no contexto de um projeto precisamos racionalizar nossas decisões visuais com base em argumentos mais tangíveis. Como você busca colocar razão nestas decisões?

MF: O designer visual tem a missão de trazer algo que estava apenas no campo das ideias para algo concreto e tangível. Eu gosto de usar muitos paralelos no meu processo de construção de produto, ter uma referência para proporcionar um melhor entendimento da solução em cima das opções. Mostrar uma única opção de solução torna difícil a uma pessoa ter um sentimento sobre aquilo sem fazer um paralelo com outra coisa. Se você dá mais de uma opção, ela consegue expressar de qual gosta mais e aí você pergunta “mas por que você gosta mais dessa?” e aí saem respostas muito boas que você pode se aprofundar e isso agiliza o processo.

“Eu gosto de usar muitos paralelos no meu processo de construção de produto, ter uma referência para proporcionar um melhor entendimento da solução em cima das opções.”

A estética ou a imagem que a gente cria vai ser o guia do que será a experiência final e temos que nos apropriar o máximo possível do que vai ser esta experiência. Para termos este controle do que vai chegar às mãos das pessoas temos que conseguir definir como estas coisas vão se movimentar no produto. A forma como tenho visualizado isso é pensando em densidade. Como cada elemento vai se mover dentro do produto? Eu imagino como se fosse uma piscina onde você vai jogando estes elementos dentro d’água e logo vai adicionando peso para cada um, sendo que as formas visuais destes elementos já te oferecem dicas de como será a densidade.

Para que um designer visual tenha mais controle sobre a qualidade de um produto que vai para o mercado, também tem que dominar outras áreas que não é somente a execução e o craft. Penso que é aí que começamos a entrar num dilema sobre como crescer na carreira, se vai ser pra um lado mais técnico de craft ou de gestão. Acredito que essa dúvida permeia a cabeça de alguns designers que gostariam de fazer as duas coisas.

“A estética ou a imagem que a gente cria vai ser o guia do que será a experiência final, e temos que nos apropriar o máximo possível do que vai ser esta experiência”

NP: E como você vê essa questão do profissional de design visual no mercado que existe hoje?

MF: É um desafio para a nossa área conseguir pensar nisso de uma forma mais madura, de não precisar abandonar a disciplina de design visual para fazer outras coisas. No fim das contas, todos os envolvidos num projeto estão tomando decisões sobre a forma visual daquele produto. O designer visual não declara muito o que está buscando. Essa minha fala também tem muita expectativa no papel do designer visual e não sei se precisamos realmente ser ‘tudo isso’. Mas a gente tem sim um papel muito importante e relevante que precisa ser entendido. Será que as pessoas não são curiosas sobre como estas coisas foram feitas, como foram pensadas? As pessoas não discutem muito. Por exemplo, todo o designer tem uma pasta de referência, mas compartilhamos pouco, sabe? E essa ‘cara’ que cada um dá para o seu trabalho, está relacionado com o que cada um considera bom. E mais importante que compartilhar a referência é compartilhar a história daquilo, o porque você escolheu aquela referência e o que te interessou. Leio alguns livros que falam um pouco sobre essa discussão do design visual e vejo que estamos fazendo isso muito bem individualmente, mas ainda não nos vejo parte de um grande grupo. O designer visual trabalha nesta ponte do intangível para o tangível, do metafísico para o físico e precisamos ter o domínio da narrativa e sobre como apresentar o próprio trabalho. Isso é uma falta de habilidade com a linguagem verbal que falta no designer visual. No geral, acho que estes profissionais estão amadurecendo neste sentido. Acredito que haja também uma falta de exemplos de outros profissionais que se mantêm por mais tempo nesta atividade de craft e técnica junto com a gestão. O processo de crescimento no mercado é uma fila que vai te empurrando cada vez mais para longe do lado técnico. Não é claro para ninguém como crescer na disciplina de design visual.

“O processo de crescimento no mercado é uma fila que vai te empurrando cada vez mais para longe do lado técnico. Não é claro para ninguém como crescer na disciplina de design visual.”

NP: E por que escolheu trabalhar com design visual para produtos digitais? Conte um pouco deste processo.

MF: O computador foi a ferramenta responsável por trazer essa oportunidade para qualquer menino ou menina de 12 anos se tornar um designer. A minha história com isso foi quando, aos 11 anos, chegou um computador na minha casa e me interessava em usar o paint para desenhar. Depois vi o Photoshop® na casa da minha prima, era tipo a versão 2 ou 3, bem primária e eu vi que tinha um tipo de brush que era mais esfumaçado e isso me chamou a atenção porque ia me permitir desenhar melhor do que no paint. E eu me lembro que, na época, eu não sabia o nome do programa, mas me lembrava do logo que era um olho e então eu comecei a procurar pelo Photoshop® naqueles CDs que vendiam nas bancas com 500 programas para poder encontrar algo parecido com o Photoshop®. Aí comecei a fazer sites de desenhos animados no hpg. Pouco depois, estive muito engajado com o basquete e comecei a criar sites para o meu time e para outros também. Mas o que me levou mesmo a seguir trabalhando com design visual foi uma motivação que de alguma forma se relaciona com arte e me manteve executando esta atividade por mais tempo até evoluir para o design.

NP: O que você considera para ter um produto digital eficiente e atrativo. Qual é o seu processo para isso?

MF: Temos que aprimorar o nosso processo de produção e você só aprimora quando conhece bem e investiga o seu próprio processo ao longo da sua experiência. Fazer trabalhos independentes é muito importante neste sentido de observar o seu processo porque é quando um designer normalmente tem mais liberdade em trabalhar da maneira que quiser. Nós também precisamos do domínio da linguagem escrita para fazer um design visual melhor.

O design visual é estudo e investigação. A arte também é investigação, é você colocando algo que quer falar e dando forma a isso. O desafio é você conseguir fazer isso por mais tempo e para que você consiga, é preciso convencer outras pessoas de que você é capaz de se manter próximo da técnica e otimizar os processos. A vantagem de quem continua produzindo em quantidade, é se aprofundar naquela habilidade e transformá-la. Existem vários desafios para fazer isso por mais tempo. Tem que se manter motivado. Outro desafio é que temos o costume de não querer mostrar um trabalho para qualquer pessoa da equipe antes que esteja ‘bom’ na sua opinião, e com isso perdemos em não mostrar mais do processo. A gente trabalha com empatia o tempo todo, não só com o usuário, mas também com quem vai construir aquele produto junto com você. Incluir o máximo possível as pessoas no processo aumentam as chances de você engajar a equipe na mesma batalha que a sua e agrega muito mais valor à entrega.

“A gente trabalha com empatia o tempo todo, não só com o usuário, mas também com quem vai construir aquele produto junto com você.”

Também precisamos ter um entendimento muito claro sobre o usuário para o qual você está desenhando, como saber o que ele está acostumado e qual é o seu contexto. Eu sempre gosto de conversar com o usuário porque é um trabalho de empatia necessário. Também costumo desenhar o fluxo inteiro do produto, experimento e testo o mais rápido possível. Além disso, acho que é imprescindível saber como funcionam os frameworks básicos já existentes como material design, o design do iOS, etc.

Durante o processo a gente tem que abrir mão de vaidade, escutar mais os outros e experimentar muito, rápido e depois seguir refinando, “penteando” as interfaces várias vezes.

Existem várias regras sobre o que é bom ou não na usabilidade de um produto, mas também existem outros caminhos e se você experimenta estes caminhos diferentes há muito julgamento. Eu não ligo tanto para essas regras, o importante é testar com o usuário e interpretá-lo. Temos que pensar em narrativa e em sistema ao mesmo tempo, e para se ter controle e domínio sobre a narrativa, tem que experimentar muito e esse é um processo um pouco caótico e doloroso.

Créditos:

A Marcos Felipe e Aline Valek pelo espaço da entrevista, pelo café e a amizade.

Se curtiu a entrevista, dá um follow porque vai ter mais!

--

--

Natalia Pery

Pensamentos em Novas Economias, Ecofeminismos e Gine-Ecologia Natural.