Outras maneiras de existir

Pico do petróleo, ecofeminismo e alternativas sistêmicas

Natalia Pery
5 min readJun 18, 2019

Entre inúmeros ambientalistas e acadêmicos da área, o pico do petróleo não é um tema muito discutido, apesar de importante. Aposto que você também nunca ouviu falar.

O que você pensa ao escutar a palavra petróleo? Talvez se lembre da gasolina que abastece o seu carro ou daquelas plataformas petroleiras gigantes no meio do oceano.

A grande verdade é que, hoje, quase tudo o que está à nossa volta é petróleo. Esse líquido estranho extraído das profundezas do planeta (as vezes não tão profundo assim), está em nossos utensílios domésticos, em nossas roupas, sapatos, celulares, bolsas, cosméticos, medicamentos, produtos de higiene e limpeza, além das polêmicas sacolinhas de supermercado ou todo e qualquer plástico que se acumula sem parar.

Somos uma sociedade extremamente dependente desta matéria-prima finita.

Você já imaginou como seria se um dia o petróleo acabasse? Será loucura dizer algo assim? Segundo M. King Hubbert, geólogo americano que trabalhou por muitos anos no laboratório de pesquisas da Shell, contribuindo enormemente para a geologia do petróleo com previsões assertivas, não é loucura alguma, mas sim, total sanidade.

Vivemos em um sistema dependente de crescimento econômico e para crescer é preciso consumir. Portanto, o que Hubbert diz é que através das metas de crescimento atuais, cresce exponencialmente a demanda de mais e mais petróleo, fazendo com que este recurso seja consumido cada vez mais rápido. Segundo sua previsão, como mostrada no gráfico abaixo, a probabilidade de estarmos no pico de consumo do petróleo hoje é muito alta, o que significa que, após o pico, entraremos em um período de escassez e de readaptação, o que fará com que a sociedade se volte cada vez mais para hábitos pré-industriais. Mas, retornar a hábitos pré-industriais é voltar ao passado? Não necessariamente.

https://en.wikipedia.org/wiki/Peak_oil

O que podemos prever é uma razoavelmente grande crise econômica e ambiental, fazendo com que a sociedade seja forçada a se reinventar através de tecnologias renováveis e que estejam relacionadas ao resgate de boas e antigas práticas para sofisticar-se a partir daí.

Entender a nossa relação com o todo e que a nossa vida depende dos recursos finitos do planeta será fundamental. Porém, essa consciência coletiva não acontecerá do dia para a noite. Serão necessários muitos dias e muitas noites para que uma mudança relevante aconteça e que todos possam enxergar que vivemos e fazemos parte de um sistema cíclico na Terra.

Tudo na natureza é cíclico: As estações do ano, a vida e a morte, o sol e a lua, a noite e o dia e, também, o ‘ciclo’ menstrual da mulher. Quanta coincidência, não é mesmo?

Coincidência é pouco, diria ser simplesmente natural. Tão natural que as civilizações andinas logo perceberam essa semelhança entre a ciclicidade da mulher e a da Terra (pacha) e passam a chamá-la de Pachamama, ou seja, Mãe Terra, afirmando a composição feminina do planeta.

A partir daí, filósofas e pensadoras desde o século XX descorrem sobre a correlação entre o extrativismo, ou seja, a maneira insustentável e violenta de extração de recursos naturais da Terra, e o sexismo, ato de discriminação e preconceito de sexo e gênero, relacionado ao patriarcado que visa a subjulgação da mulher sob o homem. Todo esse movimento reflexivo sobre os fatores citados acima, culminam no que é chamado hoje de ecofeminismo.

O ecofeminismo é uma teoria crítica, uma filosofia e uma interpretação do mundo para sua transformação. Coloca em uma só perspectiva duas correntes, da teoria e da prática política, emergentes da modernidade da ecologia e do feminismo, e procura explicar e transformar o sistema de dominação e violência atual com foco na crítica do patriarcado e da superexploração da natureza, entendidas como parte de um mesmo fenômeno.[…] questionando os pilares econômicos e culturais mais influentes da opressão e da crise do mundo contemporâneo: a relação de domínio do ser humano sobre a natureza e a relação de poder desigual e violenta do patriarcado, do homem sobre a mulher. — texto de Elizabeth Peredo Beltrán para o livro Alternativas Sistêmicas organizado por Pablo Solón.

O ecofeminismo busca questionar a hegemonia de ordem cultural, o patriarcado, e de ordem econômica, o capitalismo, visando o cuidado e a sustentação da VIDA.

Esse feminismo essencialista conclui que a sustentabilidade e o cuidado da vida se dão por qualidades das mulheres na relação com a natureza, pois são produtoras de vida. Segundo Maria Mies, as mulheres "fazem as coisas crescerem".

É, portanto, impossível falar de ecofeminismo sem questionar o sistema econômico e seu desejo por desenvolvimento.

O significado da palavra desenvolvimento está petrificado, calcificado e embalsamado a nível planetário, associado inquestionavelmente a algo positivo. É o sonho de qualquer país subdesenvolvido, um dia, fazer parte da lista da ONU de países desenvolvidos. Porém, no atual sistema, é impossível que todos sejam.

Desenvolvimento significa, entre outras coisas, estar bem posicionado economicamente para que todos os indivíduos possam consumir mais e mais. A premissa desse modelo é a priorização da economia sobre o bem-estar social e, para isso, existe uma alta demanda de extração de recursos naturais para a produção de energia, visando a geração de capital com a distribuição destes recursos, ou commodities, para cumprir acordos econômicos internacionais. Ou seja, o objetivo do atual sistema é utilizar os recursos naturais para crescer capital a qualquer custo, sem considerar o bem-estar para as pessoas e para o planeta.

Neste modelo, para que todos os países fossem desenvolvidos, seria necessário mais 5 planetas Terra para que pudessemos suportar a demanda de consumo de toda a população, que cresceria sem parar. Portanto, está claro que desenvolvimento não significa, necessariamente, felicidade e bem-estar social.

Com isso, questiono o propósito de todas as formas de vida no planeta: Para que, afinal, estamos aqui? Poderia a vida ser mais simples do que a idealizamos? O que é felicidade para você? Será mesmo que a felicidade vem através do consumo? Existe outra maneira de viver a vida que seja mais benéfica para mim e para o meu entorno? Será que estamos enxergando a vida através de uma única lente capitalista? Existem alternativas? Quais?

Referências e inspirações:

Alternativas sistêmicas: Bem Viver, decrescimento, comuns, ecofeminismo, direitos da Mãe Terra e desglobalização. Fundação Rosa Luxemburgo, Coletânea de Pablo Solón.

Descolonizar o Imaginário: Debates sobre o pós-extrativismo e alternativas ao desenvolvimento. Fundação Rosa Luxemburgo

The Radical Plan to Save the Planet by Working Less

The Limits to Growth, A Report for THE CLUB OF ROME’S Project on the Predicament of Mankind (MIT — Massachussets Institute of Technology)

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Natalia Pery

Pensamentos em Novas Economias, Ecofeminismos e Gine-Ecologia Natural.